Acordo Disney/OpenAI muda a diversão, mas público não engolirá só IA, diz analista
O amplo acordo de licenciamento de US$ 1 bilhão da Disney com a OpenAI é um sinal de que Hollywood está levando a sério a adaptação do entretenimento à era da inteligência artificial (IA), marcando o início do que um analista da Ark Invest descreve como uma era “pré e pós-IA” para o conteúdo de entretenimento.
O acordo, que permite que o modelo de vídeo Sora, da OpenAI, use personagens e franquias da Disney, transforma instantaneamente um século de propriedade intelectual (PI) cuidadosamente protegida em matéria-prima para um novo tipo de criatividade colaborativa e assistida por IA.
Nicholas Grous, diretor de pesquisa para internet de consumo e fintech na Ark Invest, disse à Fortune que ferramentas como o Sora recriam, na prática, o “momento YouTube” para a produção de vídeo — colocando capacidades de criação em nível profissional nas mãos de qualquer pessoa com um prompt, em vez de um orçamento de estúdio.
Em sua visão, essa mudança vai inundar o mercado com clipes e séries gerados por IA, tornando muito mais difícil para qualquer novo criador ou franquia se destacar, em comparação com a era inicial do vídeo social.
Suas observações ecoaram a análise de Melissa Otto, chefe de pesquisa da S&P Global Visible Alpha, que recentemente disse à Fortune que a grande investida da Netflix no conteúdo da Warner Bros. mostra que o gigante do streaming está motivado pela necessidade de reforçar seu arsenal, já que vê as capacidades de vídeo por IA do Google explodindo com a chegada dos chips TPU.
À medida que o vídeo sintético de baixo custo se prolifera, Grous disse acreditar que o público começará a dividir mentalmente o entretenimento em categorias “pré-IA” e “pós-IA”, atribuindo um valor maior ao trabalho feito majoritariamente por humanos antes de as ferramentas generativas se tornarem onipresentes.
“Acho que você vai ter basicamente uma divisão entre conteúdo pré-IA e pós-IA”, afirmou, acrescentando que os espectadores considerarão o conteúdo pré-IA mais próximo de “arte de verdade, feita apenas com engenhosidade e criatividade humanas — não esse lixo de IA, por falta de uma palavra melhor melhor”.
A propriedade intelectual da Disney como combustível para IA
Dentro desse cenário, Grous argumentou que a verdadeira vantagem da Disney não é apenas o acesso ao Sora, mas a profundidade de seu catálogo pré-IA em animação, filmes live-action e televisão.
Franquias icônicas como Star Wars, os clássicos de princesas e personagens animados históricos se tornam peças de construção para um experimento global em narrativa assistida por IA, com os fãs, na prática, testando novos cenários em grande escala.
“Na verdade, acho — e isso pode soar contraintuitivo — que o conteúdo pré-IA que já existia, Harry Potter, Star Wars, todo o conteúdo com o qual crescemos… isso se torna gradualmente mais valioso para o cenário do entretenimento”, disse Grous.
De um lado, há acordos como o da Disney com a OpenAI, nos quais a IP pode se transformar em conteúdo gerado pelos usuários; de outro, a PI representa um fluxo sólido de conteúdo para futuros programas, filmes e afins.
Grous desenhou um ciclo de feedback no qual a Disney pode observar quais combinações de personagens ou configurações de história geradas por IA ganham tração online e, então, “puxar” seletivamente os conceitos mais promissores para projetos produzidos profissionalmente, de maior orçamento, seja para o Disney+ ou para lançamento nos cinemas.
Do ponto de vista da Disney, ele acrescentou: “Não sabíamos que a Cinderela descendo a Broadway e interagindo com esses tipos de personagem — seja lá o que for — seria algo que nosso público teria interesse.”
O acordo com a OpenAI é empolgante porque a Disney pode trazer esse conteúdo para sua plataforma, o Disney+, e torná-lo mais premium. “Vamos usar nossa expertise de estúdio para transformar isso em algo mais refinado do que o que um indivíduo pode criar sozinho.”
Grous concordou que o mercado emergente de bibliotecas audiovisuais pré-IA é semelhante ao que aconteceu no setor musical, no qual catálogos históricos de artistas como Bruce Springsteen e Bob Dylan alcançaram cifras enormes devido a compradores apostando no valor de longo prazo do streaming e do licenciamento.
O grande acordo Netflix-Warner
Para os concorrentes no streaming, o pacto Disney-OpenAI é um alerta estratégico. Grous argumentou que os preços ascendentes na disputa pela Warner Bros. entre Netflix e Paramount mostram a importância da PI para a próxima fase do entretenimento.
“Acho que a razão pela qual essa disputa [pela Warner Bros.] está se aproximando de US$ 100 bilhões ou mais é a biblioteca de conteúdo e o potencial de fazer um acordo do tipo Disney-OpenAI.”
Em outras palavras, quem controla Batman e afins controlará as inevitáveis versões geradas por IA desses personagens, embora “eles possam pegar uma franquia como Harry Potter e simplesmente criar lixo em cima dela”.
A Netflix tem um ótimo histórico na monetização de bibliotecas, disse Grous, citando o exemplo de como Suits, a mistura de drama com comédia do extinto canal USA, voltou a fazer sucesso quando chegou à Netflix — provando que grandes catálogos podem ser revitalizados e re-monetizados quando combinados com uma distribuição moderna.
Grous citou a Nintendo e Pokémon como exemplos de franquias submonetizadas que poderiam ter ganhos semelhantes caso seus proprietários fechassem acordos ao estilo do Sora para levar os personagens de forma mais profunda ao ambiente mobile e às redes sociais.
“Essa é outra empresa para a qual você olha e pensa: ‘Meu Deus, as franquias que eles têm… se conseguirem trazê-las para essa nova era em que todos estamos vivendo, isso é uma oportunidade certeira.’”
Nesse ambiente, o analista da Ark sugere que o acordo Disney-OpenAI é menos uma vitória isolada de licenciamento e mais um modelo inicial de como os donos de mídia tradicional podem sobreviver e prosperar em um mercado saturado de IA.
As empresas com catálogos ricos de conteúdo pré-IA e dispostas a experimentar novas ferramentas, argumentou ele, estarão mais bem posicionadas para se destacar no meio do “lixo de IA” e transformar PI carregada de nostalgia em ativos duradouros e flexíveis para a era pós-IA.
Por trás de tudo isso, está uma disputa mais ampla pela atenção do público, que vai muito além dos estúdios tradicionais e mostra como os setores de tecnologia e entretenimento estão ficando ainda mais difusos do que quando os invasores do Vale do Silício entraram de vez no streaming.
Grous observa que a própria Netflix há muito enxerga sua concorrência como tudo, de TikTok e Instagram a Fortnite e “sono” — uma mentalidade que combina naturalmente com a nova onda de vídeos gerados por IA e experiências interativas. (Em 2017, o cofundador da Netflix Reed Hastings disse que o “sono” era um dos maiores concorrentes da empresa, enquanto ela consolidava a maratona de séries.)
Grous também fez um alerta para a era do conteúdo pós-IA: a maratona de episódios não vai mais trazer a mesma sensação, e haverá algum tipo de reação do público.
Como críticos como James Poniewozik, do The New York Times, vêm destacando, séries de streaming parecem não dar tanta vontade de rever como sucessos recentes da era dourada da TV a cabo, tipo Mad Men.
Grous disse ver um futuro em que o ameaçado cinema volta a ganhar força. “As pessoas vão querer sair, encontrar outras pessoas ou ir ao cinema. Não vamos querer apenas engolir lixo de IA 16 horas por dia.”
Nota do editor: o autor trabalhou na Netflix de junho de 2024 a julho de 2025.
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